segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O manto de Penélope

Por Juliano Correa*

Penélope é uma personagem criada por Homero, na obra Odisséia. Esposa de Odisseu, ela é o símbolo da espera resiliente e da fidelidade conjugal, pois durante 20 anos ela aguarda Odisseu retornar da Guerra de Tróia, tendo rejeitado 108 pedidos de casamento. Uma das estratégias para evitar os pretendentes, foi dizer a eles que tecia uma mortalha para o funeral do pai de Odisseu, sendo que ela somente aceitaria um pedido de casamento quando o manto estivesse pronto. Por três anos, Penélope tece um pequeno pedaço do sudário durante o dia e desmancha o trabalho durante a noite, retardando assim o prazo para a escolha do pretendente. Por fim, uma de suas servas denunciou-a aos pretendentes e ela precisou mudar a estratégia.

O que me encanta no mito não é exatamente a espera paciente da personagem, pois o conceito de fidelidade é questionável (pelo menos para uma pessoa menos romântica e mais prática, como eu). A história de Penélope me atrai por ser uma daquelas explicações que buscamos a vida toda para algumas das nossas ações. Alguém se lembra de ter “arrumado desculpa” para não sair com esta ou aquela pessoa, porque ainda estava apaixonado(a) pelo(a) ex? “Não posso, meu pai não vai me deixar sair”, “eu preciso estudar para a prova de terça” e outras do gênero? Ou ainda mais complexo, alguém já encontrou defeitos naquele(a) pretendente bonito(a), interessante, inteligente, aqueles defeitos dos mais insignificantes? “Não quero esse menino, ele tem nariz muito grande”, “não me imagino beijando alguém que se chama *Laerte”, “que casa imunda dele, jamais namoraria alguém tão desorganizado”, “fiquei com aflição dessa coleção de imagens de São Francisco de Assis, não quero mais pisar na casa desse sujeito”.
Pois bem, eu já conheci inúmeros(as) Penélopes nessas minhas andanças; creio que seja até comum, em momentos de fim de relacionamentos, que nós ainda permaneçamos ligados ao antigo amor, quer porque ainda amamos, quer porque não queremos admitir que o amor acabou. Cada um de nós já deve ter-se percebido em trabalho de Penélope, atrasando ou simplesmente buscando justificativas que não justificam o fato de não caminharmos para frente, rumo a novos relacionamentos.
Creio que quando nos damos conta qual é a funcionalidade dessas justificativas, fica mais fácil pensarmos em maneiras de burlar nossa própria sabotagem. Sim, é uma sabotagem: evitar possíveis novos e gratificantes relacionamentos, em troca de viver de uma esperança de que o(a) ex volte ou que ele(a) mude o suficiente para o namoro ser minimamente tolerável. Para enfrentar isso, é necessário conhecermos nossas Penélopes internas e assumirmos que o relacionamento acabou, que Odisseu não vai voltar e que há muitos(as) pretendentes possivelmente interessantes, se nos permitirmos que eles(as) se aproximem.
Não se tratar de deixar o romantismo de lado e esquecermos que um dia amamos e fizemos planos de vida com nossos(as) Odisseus; trata-se de aprendermos o limite entre a espera paciente e o medo de encarar a realidade do fim de uma relação.
* Coincidência assustadora: esse exemplo com o nome Laerte é real; na obra de Homero, é o nome do pai de Odisseu.

*Juliano Correa é Psicólogo (CRP 08/09144), graduado e pós-graduado pela Universidade Estadual de Maringá, especialista em Análise do Comportamento e Psicoterapia Comportamental-Cognitiva. Telefone: (44) 3031-3038.

Esse texto já foi publicado no http://blogdomeuprimo.blogspot.com.

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