As mortes
Por padre Júlio Antônio da Silva*
Toda pessoa humana convive com ganhos e perdas. Nem sempre gostamos e entendemos as perdas. Gostamos e curtimos, muito mais, os ganhos. O ato de ganhar coloca em evidência o lado conquistador, apoderador e acumulador que existe no coração humano. Os ganhos dão-nos a sensação de conquista, poder e de acúmulo. Porém, se não fizermos a experiência das perdas, que valor teria os ganhos?
No real da vida, constatamos que, desde cedo, vivemos em situação de perdas constantes. Nascemos perdendo. Perdemos, depois de alguns meses, o aconchegante e protetor útero materno. Se de lá não tivéssemos saído, teríamos sido sufocados e esmagados por falta de espaço. Perdemos a vida intra uterina, mas ganhamos a vida que se desabrocha para um novo horizonte, cheio de opções e de belas oportunidades. Crescemos. Passamos pelas várias etapas.
Perdemos a infância, a adolescência, a juventude para ganharmos a vida adulta. Em todas as etapas, quantas experiências de perdas! Perdemos pais, irmãos, pessoas queridas da nossa convivência. Vão pro espaço coisas, projetos e objetos pessoais, sonhos... Todas as perdas são mortes simbólicas. Sinalizam para a morte real. Concreta. Existencial. Sempre a nos desafiar.
Afirmam alguns pensadores e cientistas que a morte é um fenômeno inerente aos seres vivos. No caso humano, este fenômeno atinge todo o nosso ser-existir. Ele está presente na totalidade da vida humana, em cada momento e por sempre, desde que fomos concebidos.
O existencialista Martin Heidegger (1889-1976), em seu escrito sobre o ser-existir, “Sein und Zeit”, afirma: “Quando o homem começa a viver é suficientemente velho para morrer”. Tem razão o filósofo. Realmente, nascemos morrendo. Aos poucos, vamos percebendo que nossas forças vitais vão definhando. E morremos em prestações. Sentimos que há dentro de nós um ser moribundo, destinado a fazer uma passagem diferenciada para um outro e novo modo de existir.
À luz da fé cristã, entendemos a “irmã morte” como o momento da decisão final da existência humana. É o ponto final de um processo destinado à maturidade plena, ou melhor, destinado à plenificação total. É o momento em que romperemos com todas as experiências efêmeras e precárias da vida para darmos o nosso sim plenificante e plenificado no totalmente Outro, Deus. É o momento do “julgamento definitivo”.
Ainda melhor, é o momento da decisão definitiva. Seremos colocados diante de duas opções: Ou realização plena e total do nosso ser pessoal e divinizado, o céu. Ou, infelizmente, a total frustração do projeto de pessoa humana a nós confiado, o inferno. É a decisão definitiva da existência. Para quem crê, trata-se do verdadeiro e definitivo nascimento.
*Padre Júlio é sacerdote na Arquidiocese de Maringá
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