Cidade grande
Por Elifas Andreato*
Um dos meus sonhos de criança era conhecer a cidade grande que via nas fotos das revistas trazidas por meus tios do comércio, junto com as compras do mês. Como não sabia ler, eram as fotografias que me assombravam de encantamento. Nelas havia um mundo extraordinariamente grande, com altos e belos edifícios, automóveis, praias, lindas mulheres quase despidas e muita gente no mesmo espaço.
À noite, eu deitava no assoalho para contemplar aquelas imagens, tingidas de sépia pela luz do lampião a querosene. Para mim, porém, elas eram coloridas. Gastava horas imaginando as cores dos automóveis, das roupas, dos edifícios, e adormecia sobre as fotografias de um mundo que parecia impossível conhecer um dia.
Sempre que os tios voltavam de viagem, eu ouvia atento, sem piscar, os relatos daquele universo distante. E de todos escondia meu segredo: um dia eu conheceria a cidade grande.
Quis o destino que meu pai adoecesse e se mudasse para São Paulo. Os quatro filhos mais novos o acompanharam. Eu e Eurípides chegamos um ano depois. Pensava na doença do pai, mas era mais forte a ansiedade por conhecer finalmente a grande cidade. Na chegada, ela já dava os primeiros sinais de existência. Pela janela do trem, eu via na paisagem algumas casas correndo na direção contrária, mas ainda não era a grande cidade.
Não lembro em que estação o trem parou. Lembro-me apenas que quando a porta abriu, fiquei paralisado ao lado de meu irmão, que tremia de medo. Tudo era tão grande, tão assustador, tão diferente das fotografias que me fascinavam. Naquele momento, intuí que as imagens dos meus sonhos eram de outra cidade.
Resgatado da paralisia por um amigo de meu pai, eu só conseguia caminhar olhando para o chão. Meus olhos não estavam prontos para ver o céu, como fazia no interior, sonhando outro futuro.
Assim, vestindo calça curta, suspensório cruzado e calçando uma velha alpargata de lona com sola de cordas, cheguei a São Paulo em outubro de 1958. Desde que encarei pela primeira vez a grande cidade, mesmo sabendo que sonhos podem ser também pesadelos, nunca mais parei de sonhar.
*Elifas Andreato é artista plástico, jornalista, escritor e editor da revista Almanaque Brasil
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