Alice no País da Alucinação
Por Fernanda Fassarella*
Ah, Alice! Eu bem sabia desde o início que essa sua teimosia em flutuar te levaria até aí. Aquela atitude sempre pacífica diante dos fatos, aquela mania de perdoar aos santos e aos impuros, aquela insuportável auréola crescendo a seu redor. A energia pura emanando e fortalecendo a aura violeta. Ah, quantas vezes foi preciso dizer, em vão, que o mundo não é de algodão e que país das maravilhas não existe? O mundo, Alice, tem pedras, e elas machucam de vez em quando. Elas às vezes te fazem cair. Não, eu não sou assim pessimista, você bem sabe. Mas viver só na fantasia é perigoso. Você agora pode ver. Agora você está aí, presa em seu labirinto, sem saber se come o bolo ou bebe o suco. Às vezes cresce, e amadurece como jabuticabas no verão. Mas de repente fraqueja e o medo te expõe, então você chora rios e navega na solidão. Ah, Alice! Você nunca teve medo do desconhecido. Mas olha, isso hoje é grande risco. Não para nós, de sangue aventureiro, mas para os outros a preocupação pesa demais, menina. Eles, que não vivem como a gente a liberdade de caminhos novos, temem! E por isso eu te peço fortuitamente um pouco mais de juízo em seus devaneios. Uma trégua para respirar ar puro e real. A realidade é inconveniente mas necessária em certos períodos. Diminua de vez em quando os seus chás da tarde, que é pra não perder a cabeça - a sua e a dos outros - e não se iludir com o coelho. Aquela bebida do chapeleiro maluco te força ao delírio, minha doce criança. E a fumaça de mato incandescente da lagarta Clodovil do cogumelo, ah, ela não me engana! Aquilo ali, minha princesa, alucina. E por isso mesmo é fascinante e te convence. O paraíso fantástico para onde é levada é estrada sem volta se você não se cuidar. A mente alucinada desiste da realidade. Moderadamente, viver te faz bem. Em excesso, a vida derruba e você cai no precipício sem fim. É aí, na queda, que chega o coelho e te apressa a viver. Que nada! Não se deixe enganar. Ele se chama tempo. E a vida, a vida deve seguir seu curso sem corredeiras, como um minguado rio de degelo das montanhas nevadas. Quando você começar a ver sorrisos demais, Alice, e também gatos listrados e dentes no ar, gargalhadas flutuantes, pare! Oh. Que chá que nada! Aquele líquido poderoso que te fez achar a saída para a estrada iluminada quando esteve trancafiada na casinha pequenina tinha nome. Rá rá rá. Lembra a sensação de lentidão quando ouvia as conversas do mundo lá atrás da porta minúscula, parecendo uma vitrola a 45 RPM? E a impressão de estar em uma daquelas casas de espelho, ora aumentando os pés e encolhendo o corpo, ora desenvolvendo excessivamente a cabeça e diminuindo as pernas? Quanta ingenuidade você leva consigo ainda, Alice. E eles, os personagens do país maravilhoso, eles estão aí pra te levar. Eles sabem de você, sabem do seu coração puro. Você é presa fácil. Não seja boba! As cartas foram distribuídas e o jogo já começou. Prepare-se, Alice. Chegou a hora. Comece a jogar. Não espere pela rainha de Copas para ganhar a partida e seguir viagem. Acorde para o mundo real antes que anoiteça. Cresça. Sozinha. A Dinah ainda arranha seu rosto para te trazer à tona. Abra os olhos. É sua chance. Você tem exatos 3 segundos. Um. Dois. Três. Alice, você agora está no país da alucinação. Porque uma dose sempre é bem vinda para viver.
*Fernanda é jornalista em Cachoeiro de Itapemirim e nossa colaboradora
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