domingo, 9 de maio de 2010

Carta aberta a Dona Alzira

Por Elifas Andreato*

Mãe, lembra o dia em que ganhei uma camisa usada de um primo rico e não quis vesti-la? E, soluçando, você me disse: “Não tenha vergonha, todo o mundo sabe da nossa situação e com certeza compreenderão. Filho, a única coisa da qual um ser humano tem que se envergonhar é de ser desonesto, mentiroso e aproveitador das pessoas humildes como nós.”
E aquele dia em que roubei um par de sapatos para ir à quermesse ver a menina de quem gostava? Você me obrigou a voltar à loja, devolver os sapatos e me desculpar com o dono.
Lembra que você fazia coxinha e empadinha para eu vender na zona de meretrício em Londrina? Dessas noites tenho boas lembranças. Das prostitutas fazendo seus “coroneis” comprar a bandeja toda para que eu fosse dormir mais cedo.
Lembra, mãe, as madrugadas em que eu saía antes das cinco para entregar leite numa charrete e você chorava ao me acordar? E o primeiro emprego na fábrica de brinquedo em que o dono me deixou fazer caminhõezinhos para as irmãs e os irmãos? Acho que foi a primeira vez que ganharam brinquedos no Natal.
Mas de todas as lembranças, mãe, a que mais me comove é daquele fim de mundo que tive de correr no escuro, com medo, e procurar uma parteira para ajudar a nascer o Elias, seu filho mais novo, hoje extraordinário ator. Ajudar no parto do Elias, com apenas dez anos de idade, é a mais bela recordação que tenho de você. Naquela noite me tornei um homem e, até hoje, quando vejo uma grávida, penso na beleza de uma mulher ao dar à luz uma nova vida.
E me pergunto, nos momentos difíceis, o que seria de mim sem a força e a coragem de uma pequena mulher, que nunca se negou a dar o exemplo do viver com dignidade e alegria. Obrigado, dona Alzira, e parabéns pelo seu dia.
Do seu filho mais velho. Com carinho,
Elifas Andreato

*Elifas Andreato é artista plástico, escritor, jornalista e editor da revista Almanaque Brasil

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