Uma mulher sem nome
Por padre Orivaldo Robles*
Julho de 2001, já próximo das seis da tarde. Aparece-me uma mulher com duas crianças, uma no colo, a outra caminhando encostada em suas pernas. Para ela nem consigo olhar muito. Meus olhos se fixam nos filhos moreninhos, quase negros. De uma beleza imensa e triste, inocentes demais para fazer perguntas sobre as injustiças da vida.
Ela me pede dinheiro para a conta de energia elétrica: “Não posso deixar cortarem a luz. Vou ficar no escuro com as crianças nesse frio?”. Nos olhinhos do maior vejo a angústia da escuridão na pobre casa.
Mostra-me o talão amassado e poucas moedas conseguidas em peregrinação desde sabe-se lá que hora. Indago onde mora. Pergunta tola, bastava consultar o talão de luz. A casa fica longe.
O correto seria conferir informações, encaminhá-la à assistência social. Mas aonde mandá-la nessa hora? Confrange-me o coração ver no frio os dois anjinhos negros. Falo-lhe dos confrades vicentinos. Irão à sua casa, verão a ajuda possível. Antes – fazer o quê? – dou-lhe o dinheiro. Não resolve, mês que vem haverá outra conta. Mas dou.
Ela ergue a cédula como um troféu e diz ao mais velho: “Agora vamos pagar nossa luz”. Ele me dirige dois olhos imensos de gratidão sincera. Acaricio-lhe a cabeça e prometo: “Ninguém vai cortar a luz de vocês”. Leio no seu sorriso o alívio de uma montanha removida das costas. Insano fardo cedo demais imposto a uma criança entregue à brutalidade de adultos.
Dirijo-me ao menor, no colo da mãe, pensando dar-lhe um beijo. Não chora, apenas se encolhe, piscando os olhinhos e franzindo a testa, como à espera de uma bofetada. Pergunto-me se não virá recebendo do pai agressão habitual e gratuita. Se não estará quitando, desde o berço, o duplo débito da ignorância e da miséria, contraído por outros em seu nome.
E, ao final, terei ajudado, de fato, uma necessitada ou engrossado a lista dos iludidos com encenações montadas para ingênuos de coração mole, como eu? Em países sérios não há lugar para essa dúvida.
Por que não se cria e faz funcionar legislação que assegure, neste país maravilhoso, equilibrada distribuição de renda para todos? Economistas oficiais nos situam como a oitava economia do mundo. Só sete países, em todo o planeta, produzem mais riquezas do que nós. Tanta fartura aqui gerada não consegue dar fim a essa vergonha?
Essa, creio eu, a reflexão que, em vez dos fátuos autoelogios de sempre, deveria preocupar os políticos no Dia do Trabalho.
Ou não é esse o jeito certo de fazer as contas? Os economistas manifestam a rara capacidade de falar o que todos pensam compreender, mas ninguém – talvez nem mesmo eles – entende. É certo, contudo, que o Brasil gera muito mais riqueza do que a necessária para que todos alcancem um nível digno de vida. Para que nenhuma mulher precise arrastar duas crianças lindas, numa tarde fria, mendigando o dinheiro do talão da luz de sua casa.
Que, provavelmente, nem casa é; apenas um barraco miserável.
*Monsenhor Orivaldo Robles é sacerdote na Arquidiocese de Maringá
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