terça-feira, 31 de maio de 2011

Bio Lógicas

Dos dinossauros aos biocombustíveis - Como as gramíneas dominaram o planeta
Parte IV – Se não pode vencê-los...

Por Wanderley Dantas dos Santos*


Para alcançar seu sucesso extraordinário, as gramíneas começaram por uma radical mudança de hábito. Em botânica, chamamos de hábito a “arquitetura” de uma planta. O hábito arbóreo é caracterizado por um caule lenhoso (tronco) enquanto o hábito arbustivo caracteriza plantas de porte pequeno como as ervas. Em todos os casos, o caule tem a função dupla de conduzir os fluidos nutritivos entre a raiz e as folhas e elevar as folhas do solo. Esta segunda função é muito importante, pois, após a germinação das sementes, as plantas podem ter que competir com as vizinhas pela luz solar e ficar à sombra das concorrentes pode ser fatal. Durante milhões de anos, os vegetais vem travando uma interminável luta por um lugar ao sol, o que deu origem às gigantescas sequóias, carvalhos, ipês e araucárias. O hábito arbóreo, além de garantir o sol, evita a predação, pois apenas uns poucos animais são altos o bastante para alcançar a copa a partir do chão, enquanto animais habilidosos o suficiente para escalar seu tronco ou voar até ele, não podem ser muito grandes. Como não podem sair correndo de seus predadores, as plantas fazem um tipo diferente de esforço para evitar a predação. Além de espinhos cortantes, as plantas produzem uma quantidade enorme de compostos químicos que vão desde um simples sabor amargo até venenos poderosos. São conhecidos mais de 45 mil compostos naturais produzidos pelas plantas para mediar sua interação com outras plantas, fungos, microorganismos e animais. A estratégia de alerta químico das acácias africanas* ilustra como a abordagem química pode se tornar sofisticada. No entanto, há cerca de 65 milhões de anos, o ancestral comum das gramíneas encontrou uma solução que se mostrou muito mais eficiente para enfrentar seus inimigos: torná-los seus aliados. Ao invés de investir sua energia na produção de troncos robustos ou compostos químicos intrincados, as gramas passaram a investir na alimentação de seus predadores! Para que o ataque não seja fatal as gramas desenvolveram pela seleção natural um hábito subterrâneo.  Seus caules não ficam à vista, onde poderiam ser danificados pelos animais, mas escondidos sob o solo como redes hidráulicas onde os grandes animais e os incêndios comuns nos cerrados brasileiros e savanas africanas não podem alcançá-los. Na superfície, as gramas expõem apenas suas folhas e pedúnculos florais. Como pagamento pelo alimento que fornecem aos seus convidados, elas os incumbem de disseminar suas sementes. A integração é tal que muitas sementes de gramíneas precisam ser atacadas física e quimicamente para germinar, um efeito relacionado à necessidade resistir à passagem pelo tubo digestivo para só então germinar.  Esta sociedade bem sucedida entre gramas e animais que começou com os dinossauros atingiu seu ápice com homem. O homem, como os elefantes agricultores*, também tinha hábitos nômades e foi sua integração com as gramíneas que deu origem ao processo civilizatório. A pecuária e agricultura foram baseadas na utilização das gramíneas nativas e cultivadas. O sucesso desta parceria foi tal que todas as grandes civilizações foram fundadas com base nas gramíneas: trigo na Mesopotâmia e no Egito, arroz na Ásia, sorgo, na Europa, e milho nas Américas. Ainda hoje, as gramíneas são nossos principais produtos agrícolas. A cana-de-açúcar é o produto agrícola mais abundantemente produzido (mais de 1,5 bilhões de toneladas/ano), seguida pelo milho, arroz, trigo e o leite (~ 700 milhões de ton/ano (FAO, 2007). Todas as quatro primeiras culturas são gramíneas e a quinta um produto secundário dos capins que alimentam o gado! Estamos acostumados a pensar na agricultura como uma invenção humana. Mas ao observarmos elefantes fazendeiros* e as evidentes vantagens que as gramíneas obtêm da colaboração com os animais, é impossível não se sentir tentado a relativizar a questão: será que nós dominamos as gramíneas ou são as gramas que nos utilizam para dominar a Terra?

*http://gazetamaringaense.blogspot.com/2011/05/bio-logicas.html

*Wanderley Dantas dos Santos
Bioplan- Laboratório de Bioquímica de Plantas - Departamento de Bioquímica - UEM (Universidade Estadual de Maringá)

1 comentários:

Anônimo,  2 de junho de 2011 às 13:05  

Muito bom professor. As gramíneas, que fazem parte do grupo de plantas monocotiledôneas C4 são espetaculares no critério de sobrevivência, mas confesso que sou muito fã também dos inteligentes grupos de orquídeas que se espalharam e multiplicam suas espécies constantemente pelos mais diversos e diferentes ambientes deste planeta.

PARABÉNS PELA MATÉRIA. e/
evite "pisar" nas gramas. :)

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